terça-feira, 8 de março de 2011

Kadafi – Ele diz que é o Rei dos reis

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Ao escrever o Apocalipse na Ilha de Patmos, e ao referir-se à Pessoa de Jesus, o apóstolo João fugiu à característica natural do livro do Apocalipse – os símbolos – e optou por usar uma terminologia extremamente clara, sem qualquer espécie de véu. Aqui não há códigos, porque todos os leitores da Bíblia sabem que o Cordeiro a que João se refere, é Jesus.
“Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com ele, chamados, eleitos e fiéis.” (Apocalipse 17:14)

Esta passagem bíblica vive muito à custa da imagem expressa por determinados títulos de Honra, designando o Messias como “Senhor dos senhores” e “Rei dos reis”. Ora, “Senhor dos senhores” e “Rei dos reis” são títulos de uma grandeza nobiliária tão grande, e de tal dimensão cósmica, que reproduzi-los em proveito próprio seria sempre uma tarefa anátema.
Para o cristão, eles serão sempre evitados por um pudor que reflecte temor a Deus. Para os não-cristãos, evitá-los será apenas uma questão de bom senso. No entanto, tanto para uns como para outros, o decoro e humildade não ficarão alheios à decisão.

Por isso, é muito possível que a notícia que quero compartilhar hoje seja a mais adequada para uma terça-feira de Carnaval. Isso, porque ela me faz rir por duas vezes. Em primeiro lugar, tenho de rir porque ao conhecer o teor da história, nada mais me resta fazer – rir é o melhor remédio. Em segundo lugar, sou obrigado a rir para não ter de chorar, porque a pobreza de espírito do senhor Muammar Kadafi está patente nesta novela de uma ponta à outra.

Disse antes que existem sempre razões para que alguém não ouse aplicar a si mesmo determinados títulos que o adjectivem indevidamente. Pois bem, desenganemo-nos. Porque, se é certo que a esmagadora maioria dos mortais não expresse atracção por estas “megalomanias esquizofrénicas”, há, todavia, quem não resista à tentação. E é aqui que entra o Coronel Muammar Kadafi, o actual e ainda líder da Líbia. Toda a gente sabe que Kadafi não é cristão, e que, por isso, ele está livre de se pautar pela valoração que os cristãos atribuem àqueles títulos de referência do Messias. E é por isso que me sinto obrigado a observar o ridículo das suas afirmações apenas como homem, e não como homem de fé.

A situação que vou relatar aconteceu num palco diplomático, com a cobertura intensa dos meios de comunicação social. No entanto, esse factor não o impediu de tecer declarações bombásticas, nem a presença jornalística foi suficiente para que o ruído fosse escutado, e que os sinais que ressaltaram da mente desequilibrada e perigosa de Kadafi fossem bem avaliados. A situação foi vista como mais uma tirada de um homem polémico. O mundo não prestou a devida atenção, talvez porque os factos não ocorreram em ocasião propícia a serem devidamente avaliados.

No entanto, hoje, em plena guerra civil, um par de anos após aqueles acontecimentos veio trazer-lhe luz suficiente. Nos dias que correm, a guerra do povo Líbio contra o poder de Kadafi facilitou-nos essa capacidade de aquilatar a aberração que esta personagem representa, tudo o que ela produz, sejam palavras, sejam actos. Talvez seja um líder com os dias contados, não sabemos. Neste momento, os desenvolvimentos da situação na Líbia não nos deixam fazer conjecturas, e ir mais além. Mas, enquanto estiver no poder, podemos estar certos de que vai banhar em sangue aquela ousadia popular que se atreveu a desafiá-lo.

Vamos então à história. Tudo aconteceu a 30 de Março de 2009, em Doha, no Qatar, mais propriamente numa Cimeira Internacional de nações árabes. Estava a usar da palavra o rei da Arábia Saudita, quando, a certa altura, percebeu-se que o Coronel Muammar Kadafi – então o Presidente da União Africana – mostrou a sua indignação perante as afirmações produzidas. Da indignação passou à acção, e, apoderando-se do microfone, interrompeu a intervenção do seu congénere para lhe chamar “mentiroso”, com todas as letras, e na presença de toda aquela nata diplomática. Pior ainda, quando os anfitriões do Qatar tentaram acalmá-lo, as razões para a fúria indignada do ditador foram publicamente expostas. E eis então que surge esta declaração lapidar:
“Sou um líder internacional, o decano dos governantes árabes, o Rei dos reis da África, o Íman (líder) dos muçulmanos, e o meu estatuto internacional não me permite descer a um nível inferior.”

Dito isto, levantou-se e abandonou a sala. Após o incidente, um representante Líbio informou que Kadafi aproveitou a ausência na Cimeira para ir visitar um Museu Islâmico.

Truculento, provocador, mal-educado, violento, maldisposto, polémico, a figura e personalidade de Muammar Kadafi parece reunir apenas a unanimidade em torno de si num único aspecto: é uma pedra no sapato, tanto para democracias como para ditaduras.

Como se percebe nas notícias que mostram a revolta dos Líbios, o seu próprio povo está longe de o reconhecer como “rei” ou como “Rei dos reis”. Na verdade, não creio que exista alguém neste mundo, a não ser o próprio, que veja o Coronel Muammar Kadafi como uma referência mundial para algo de construtivo. Apetece-me dizer, à luz de uma história antiga, que “o rei vai nu!” Pessoalmente, espero para entender como é que esta revolução vai acabar, apenas para ver a forma como este “rei” mostra a sua dignidade real. Uma dúvida, contudo, irá permanecer sempre no meu espírito, e isso tem a ver com as razões que levaram àquelas reais declarações: terá sido por convicção, por vaidade pessoal, por despeito pelos outros, ou apenas por estupidez?
Eduardo Fidalgo

Composição Gráfica: Eduardo Fidalgo
Fonte da notícia: MailOnLine
Foto de Kadafi: Reuters









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