.
20 de Janeiro de 2009. Apesar dos seis graus negativos, uma massa humana estimada em mais de dois milhões de pessoas fez questão de marcar presença na cerimónia de investidura do 44.º Presidente dos Estados Unidos da América. A multidão estendeu-se por cerca de dois quilómetros, e, para conseguir um lugar, muitos tiveram de chegar de madrugada, seis horas antes. Dentro desse perímetro de privilégio, a segurança não facilitou, e nenhum perigo foi minimizado. Ao todo, mais de 40.000 homens – entre polícias e soldados – zelaram pela normalidade do acto, para já não falar dos 2500 agentes infiltrados entre o público. Nos ecrãs-gigantes, desfilavam imagens do povo que aguardava. Em cada rosto, muita expectativa.
"Bendito aquele que vem..."
Os tempos não vão serenos, e o mundo está mergulhado numa tremenda crise social e financeira como há décadas não se assistia. A sombra do desemprego e o espectro da pobreza já chegaram aqui, à América. Nenhuma nação, ninguém..., parece estar a salvo. Nesse dia, porém, houve festa. Para além da esperança depositada na nova presidência, havia a convicção de que algo mais tinha sido alcançado. E a prova, era precisamente a cerimónia que estava prestes a começar, e que tinha por figura central aquele por quem todos tinham vindo – Barack Obama. E não somente os que estavam presentes, mas muitos milhões de outros que assistiam pelas televisões estavam da mesma forma solidários, e foram americanos por um par de horas. Declararam tréguas à crise, para saudar o homem que multiplicou a esperança de todos através do seu carisma e da sua personalidade.
E quando Barack Obama saiu pela porta que dava acesso à tribuna, foi como se se tivesse libertado no ar um aroma de tempos renovados. Foi como se naquele momento a América entrasse numa era de governação mais justa, ou como se princípios novos tivessem sido resgatados de um cativeiro e colocados à disposição deste povo, ... ou do próprio mundo.. A empatia gerada com aquele homem de sorriso fácil e franco traduziu-se um brado silencioso, que inundou completamente a multidão: "Bem-vindo aquele que vem...".
"Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois já os meus olhos viram..."
Entre eruditos e cantores, o presidente-eleito jurou fidelidade sobre uma Bíblia com história. Foi o primeiro afro-americano a fazê-lo. Agora, na televisão, as imagens eram ainda mais vibrantes: lágrimas rolavam pelas faces de muitos, cujos lábios tremiam, crispados de comoção. Milhares de olhos dirigiram-se para o céu, agradecendo a Deus terem visto aquele dia marcante e histórico. Era como se Lhe dissessem: "Agora, Senhor, já posso morrer em paz, ... porque os meus olhos viram este dia..."
Nesse mesmo instante, a 12 mil quilómetros dali, em Kogelo, no Quénia, a terra-natal do pai de Obama, o povo entoava cânticos: "A nossa criança, a nossa esperança..."
A Besta
Hora e meia após o início da cerimónia, já um Obama-presidente deixava o Capitólio e entrava naquela que será desde agora a sua viatura oficial: o Cadillac, por muitos conhecido como a Besta! Foi dessa forma que os serviços secretos norte-americanos baptizaram o Caddy, um carro-fortaleza ultra-secreto, que relega James Bond para uma personagem do passado. O que conhecemos são apenas as migalhas atiradas para o público, precisamente e só aquilo que se quis divulgar. Para além das mordomias a que Obama tem direito, está presente um equipamento de suporte de vida – oxigénio, e uma reserva do seu tipo de sangue. A Besta está equipada com câmaras de visão nocturna e armamento diverso, pneus com estrutura de aço, totalmente blindado e protegido contra armas químicas. O resto fica no domínio da imaginação. Sabe-se, isso sim, que tudo neste carro foi concebido para servir e proteger o presidente. Não só pela era pós-11 de Setembro, mas também pela dinâmica que muitos lhe adivinham, Barack Obama foi desejado, recebido e aceite como "um" messias na América. Porém, este messias não chega montado num jumento, nem tem dificuldades em encontrar lugar onde reclinar a sua cabeça.
A mega-crise
São evidentes as convulsões no mundo. Os tempos são de uma enorme agitação social, motivada pela mega-crise económica. E, se nas crises do passado os pobres ficaram sempre mais pobres e os ricos sempre mais ricos, desta vez não. Na verdade, muitos dos poderosos deste mundo têm caído, não sem antes arrastarem outros na queda. Milhões e milhões de pessoas vêem os seus postos de trabalho em perigo, e a cada dia que passa milhares deles entram no exército dos desempregados, passando a viver de programas que um pouco antes se destinavam somente aos que eram tocados pelo infortúnio.
É hoje muito clara a consciência de que as soluções não devem ser articuladas numa perspectiva regional, mas sim planetária. No entanto, até agora não foi possível caminhar. Não surgiu ninguém com capacidades de liderança dessa grandeza. Terá de ser alguém que compreenda as várias sensibilidades, que encontre uma plataforma de entendimento, um equilíbrio a partir do qual se possa trabalhar. Para muitos, Obama pode ser esse homem. É certo que ele é somente o presidente dos EUA, mas sabemos também que quase tudo o que acontece na América se faz sentir no mundo como um tsunami. Muitos acreditam que ele tem na mão a chave para um futuro promissor. Será Obama o guia para esse admirável mundo novo, o libertador que o mundo aguarda?
Barack Hussein Obama (ver perfil)
A capacidade de diálogo e entendimento que lhe é atribuída, é, ironicamente, reforçada por traços que são no mínimo, curiosos. São meramente simbólicos, mas apontam estranhamente para Barack Hussein Obama como se ele fosse senhor de um código genético perfeito para a moderação das grandes causas. Veja-se: o seu nome é meio-hebraico e meio-árabe. Na verdade, traz consigo tanto o Barack de Israel, como o Hussein do Islão. O sangue que lhe corre nas veias, meio-branco e meio-negro. A cor da pele é testemunha disso. Meio-branco por parte da mãe, e meio-negro por parte do pai. Ela era americana e ele queniano, filhos de dois continentes muito diferentes: do mais rico, e do mais pobre do planeta. Sintomaticamente, este seu cunho que nivela as diferenças está patente no discurso. Ainda há pouco tempo, acerca da religião em democracia, afirmou: "... a América já não é um país exclusivamente cristão. Agora, é também um país judaico, muçulmano, budista, hindú, e uma nação de descrentes." (Veja o filme, legendado em português.)
O insólito das posições de Obama
Barack Obama tem tomado posições que muitos têm aclamado como revolucionárias. No entanto, elas são insólitas, não por causa da originalidade do que defendem, mas porque nos habitámos ao vazio de ética e justiça que reina na política mundial. A classe governante serve-se escandalosamente da dialéctica: a arte de persuasão pelas palavras. Habituados a ver "provar" que o mau é "bom", ou que o nefasto nos fará "bem", somos surpreendidos quando um político nos confirma que afinal o "branco" é como nós pensamos ser. Vejamos algumas das situações em que Obama teve a coragem de assumir posições "insólitas":
"... a César o que é de César..."
Ainda que a sua governação seja por agora um plano de intenções, há muito que ele se propôs transformá-la num caderno de encargos. Na verdade, a ética afigura-se como uma das imagens de marca da sua administração. Recentemente assistimos ao desagrado contido com que reagiu ao "lapso" do homem escolhido para Secretário do Tesouro. Timothy Geithner "esqueceu-se" do pagamento de alguns impostos. Segundo o próprio, "um erro de boa-fé". O descontentamento de Obama, mais que um aviso, foi a exortação didáctica que significou: "... a César o que é de César..."
E também nos últimos dias, quando mais dois escândalos relacionados com escolhas do presidente vieram a público, as suas próprias palavras foram "... é importante que esta administração mostre que não pratica uma política de dois pesos e duas medidas ..."
"... ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa ..."
A sua escolha de colaboradores foi sempre rodeada de contornos peculiares e até contrários à política vigente. Obama nunca olhou às cores partidárias, nem deu muita atenção aos nomes nas cadeiras, estivessem elas no seu partido ou no outro. Daí a chamar muitos desses nomes, foi um passo. E note-se que nem sempre lhe fizeram considerações simpáticas, nos tempos em que ele era ainda e só o candidato negro. Joseph Biden, por exemplo, foi escolhido para a vice-presidência, mas quando Obama se mostrou aos americanos como candidato à Casa Branca, Biden teceu comentários considerados ofensivos às suas origens africanas, defenindo-o como "...o primeiro negro de posição centrista que é articulado, brilhante, limpo e de boa aparência ..." Obama optou por seguir uma conduta de alheamento a estes pequenos incidentes e de pacificação perante situações delicadas. Na prática, é como se cumprisse o elevado princípio de caminhar a segunda milha com quem o desafia: "... ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas....".
"Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo."
E após ter ocupado a presidência, uma das primeiras medidas que tomou foi a de congelar os salários dos que trabalham na Casa Branca e que auferem um salário anual superior a 100.000 dólares. Num país com tantas assimetrias sociais, o discurso de tomada de posse foi bem claro, e apenas o primeiro indício: "...aqueles dentre nós que gerem o dólar público serão cobrados ... porque só então conseguiremos restabelecer a confiança vital entre as pessoas e seu governo." Isto é o que Obama queria dizer ao falar "da força do exemplo, em vez do exemplo da força". Uma atitude anti-farisaica, o exemplo vindo de dentro, a necessidade de "...limpar primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo".
"... apregoar liberdade aos cativos, ... pôr em liberdade os oprimidos ..."
A cadeia na Baía de Guantanamo, onde os presos se amontoam sem quaisquer direitos e sujeitos a torturas, foi dos maiores calcanhares de Aquiles na administração Bush. Obama não perdeu tempo em fazer cumprir uma promessa eleitoral, e, uma das primeiras medidas tomadas, foi a de iniciar o processo de encerramento da prisão. Será que esta vai ser uma das poucas vezes na História em que um governante associa os conceitos de ética pessoal, de justiça pública e misericórdia pelo seu semelhante? Quem é este homem, que tem a coragem de "... proclamar liberdade aos cativos e a abertura de prisão aos presos; ...?
Um imitador ou uma imitação?
Os grandes dramas do mundo têm conduzido a uma divergência global, e, até hoje o lema tem sido: "conseguiremos a paz, ainda que para isso tenha de haver guerra". Pelo falhanço continuado, a paz constitui-se como o maior dos anseios.
Esta voz revolucionária, surgindo num contexto de déficit de lideranças bem-sucedidas, lança a imagem de um Obama-messias, aclamado pelas massas como o único capaz de mudar o estado das coisas. Um jornalista que cobriu a tomada de posse definiu o momento como sendo: "o dia de viragem da História!" Para uma Nova Ordem Mundial (?), perguntamos nós. Certamente, essa mesma História vai encarregar-se de nos mostrar se a aclamação "messiânica" foi ou não precipitada.
A verdade é que Obama ainda não tem um passado político tão marcante que nos dê garantias de fazer melhor do que outros já fizeram. As expectativas criadas em torno dele, são mais fruto do desespero geral que devidas a um curriculum incontornável, ou a provas dadas no passado. São mais devido à falta de soluções do mundo que fruto de créditos já firmados na política. Senhor de uma retórica brilhante, que tem chamado a atenção até de líderes pouco convencionais, parece que o mundo inteiro está estranhamente seduzido e rendido aos pés deste homem, e disposto a depositar o futuro nas suas mãos.
Sejamos honestos. Muitos dos conceitos surpreendentes anunciados por Barack Hussein Obama ao mundo, não são criações inovadoras. Há muito que foram proclamados pelo Messias da Bíblia, o mesmo Jesus que Obama afirma ensinar princípios tão radicais quese tornam impossíveis de atingir.Mas a grande incógnita neste momento está em se entender a sua verdadeira posição: será ele um imitador do Messias ou uma imitação? Um imitador do Messias será sempre remetido para a aprendizagem, a obediência e a dependência. A imitação do Messias, por outro lado, remete para o abuso, para o embuste e fraude grosseira. Foi o verdadeiro Messias quem afirmou: "Muitos virão em meu nome..."
A História mostra-nos que a capitulação dos povos perante a "genialidade" de um homem já é um caminho conhecido, e que nunca levou a bons resultados.
Mas a Bíblia..., aquela Bíblia sobre a qual Barack Obama jurou fidelidade diz-nos "... sabeis diferençar a face do céu e não conheceis os sinais dos tempos?" "E, certamente, ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; vede, não vos assusteis, porque é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares; porém tudo isto é o princípio das dores."
Barack Hussein Obama – Um imitador ou uma imitação? Os tempos, e os sinais dos tempos vão encarregar-se de nos mostrar.
Eduardo Fidalgo
Sem comentários:
Enviar um comentário