.
A Bíblia mutilada
Barack Obama afirmou (sic):
"Dada a crescente diversidade das populações dos Estados Unidos, os riscos do sectarismo estão maiores que nunca. O que quer que nós já tenhamos sido, nós não somos mais uma nação cristã. Pelo menos, não somente. Nós somos também uma nação judaica, uma nação muçulmana, e uma nação budista, e uma nação hindu, e uma nação de descrentes. E mesmo se nós tivéssemos apenas cristãos entre nós, se expulsássemos todos os não-cristãos dos Estados Unidos da América, o cristianismo de quem, nós ensinaríamos nas escolas? Seria o de James Dobson, ou o de Al Sharpton? Que passagens das Escrituras deveriam instruir as nossas políticas públicas? Deveríamos escolher o Levítico, que sugere que a escravidão é aceitável? E que comer frutos do mar é uma abominação? Ou poderíamos escolher o Deuteronómio, que sugere apedrejar o seu filho, se ele se desviar da fé? Ou deveríamos apenas ficar com o Sermão da Montanha? Uma passagem que é tão radical que é de se duvidar que o nosso próprio Departamento de Defesa sobreviveria à sua aplicação.
Nós... Então, antes de nos empolgarmos, vamos ler as nossas Bíblias agora. As pessoas não têm lido a Bíblia."
Que Bíblia?
É do domínio público que Barack Obama fez o seu juramento solene sobre a Bíblia de Abraham Lincoln. O mundo assistiu. Partindo dessa imagem, poder-se-ia concluir que o presidente tem uma relação de proximidade com as Escrituras. No entanto, as declarações que acabámos de transcrever, proferidas a 28 de Junho de 2006, "Time to renewal" (Tempo de renovação), parecem desmentir essa impressão. Ao falar acerca de religião em democracia, o presidente pergunta: "Se a América só tivesse cristãos, que cristianismo ensinaríamos nas nossas escolas?", para logo de seguida, e em cima desta, colocar outra questão, de maior amplitude: "Que passagens das Escrituras deveriam instruir as nossas políticas públicas?"
E, como exemplos do que em democracia não deve nem pode ser feito, Obama alude a alguns versículos dos livros do Êxodo e Deuteronómio, exactamente aqueles que acolhem no seu seio os Dez Mandamentos (Êxodo 20 e Deuteronómio 5), só para mencionar dois textos fundamentais. Para além disso, aborda o Sermão que Jesus ensinou no monte, definindo-o como tão radical que acaba por ser impossível de o levar à pratica, despojando-o do seu significado altamente espiritual que por todos é reconhecido. Para o ilustrar, quase nos sugere a imagem de burocratas no Departamento de Defesa, vencidos por conceitos alucinados e inúteis. Talvez para não entrar em campo minado, não mencionou a pena de morte, que a Bíblia também aborda, mas que já é suficientemente democrática na América... Noblesse oblige.
As conclusões a que o presidente chega, são, efectivamente inquietantes, e merecem, também da nossa parte, algumas considerações e algumas perguntas.
Em primeiro lugar, a exposição que faz dos textos sagrados do Velho Testamento, é lamentável. Oxalá se venha a mostrar melhor político que exegeta bíblico. Acaba por dar força à máxima: "Texto fora do contexto, é pretexto." Ao retirar aquelas passagens do seu enquadramento cultural, histórico e teológico, elas caem (claro!), sem estrutura que as suporte, e aparentemente condenáveis.
Em segundo lugar: O presidente retalha a Bíblia, e certamente estará preparado para mutilar todas as passagens que, a seu ver, sejam um empecilho para a sua democracia. Porém, parece esquecer-se de um facto:
A América tornou-se o país de vanguarda que é, muito por causa dos princípios cristãos que os seus fundadores imprimiram à sua governação, e que conduziram o país ao lugar de maior democracia mundial. Por outro lado, é uma incógnita se a actual Babel de religiões, a proclamada América-cristã-judaica-muçulmana-budista-hindú-descrente irá manter o país nessa posição.Em terceiro lugar: Não fica clara a razão por que Obama fez o seu juramento sobre uma Bíblia. Afinal de contas, ele informa-nos que a América já não é só um país cristão... Mas, uma vez que a usou, isso deveu-se à tradição ou às convicções do presidente?
A origem do poder que a América já mostrou ao mundo, foi identificada pelos próprios governantes, quando foi mandado imprimir nas suas notas a inscrição "In God we trust" (Cremos em Deus). Mas como se comportará a América perante o princípio democrático aceite de "In gods we trust" (Cremos em vários deuses)?
Em quarto lugar: Se, na sua perspectiva, a Bíblia contém tantos obstáculos ao bom desenrolar da democracia, que é necessário retirar alguns do caminho, em consciência, sobre que parte, ou sobre que partes da Bíblia prestou juramento este presidente? Creio que nenhum cristão esclarecido lhe agradecerá tê-lo feito sobre uma Bíblia mutilada (não a de Lincoln, mas a de Obama).
Em quinto lugar, parece-me que o que o presidente propõe não são as religiões em democracia, mas antes, a democracia das religiões.
Em sexto lugar: A Bíblia permanece inalterada. Inicia-se em Génesis e termina no Apocalipse. É una, indivisível, divinamente inspirada e inerrante. Já resistiu e sobreviveu a ataques tremendos. A Bíblia não fica mutilada nem amordaçada por causa do discurso ou da acção de quem quer que seja. Bem pelo contrário, continua a falar: "Não terás outros deuses diante de mim." "... do nome de outros deuses nem vos lembreis, nem se ouça da vossa boca." "Toda palavra de Deus é pura." (Êxodo 20:3,13; Prov.30:5a). Sigamos, então, o conselho do presidente Obama: "As pessoas não têm lido a Bíblia. ... vamos ler as nossas Bíblias agora."Exemplificando com a problemática do aborto e o cristianismo, Obama mostra que em benefício da sociedade, ao cristão só lhe resta a possibilidade de empenhar princípios fundamentais da sua fé sempre que não os possa traduzir em termos racionais aceitáveis. Esta erosão de valores e princípios, implementada a nível de todos os credos, conduz pura e simplesmente a uma religião única, a uma das etapas de uma Nova Ordem Mundial, tão abertamente desejada pelos políticos mundiais!
Sem comentários:
Enviar um comentário