quinta-feira, 31 de março de 2011

Extinção da Inquisição em Portugal

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Completam-se HOJE 190 anos sobre a Extinção da Inquisição em Portugal.
Contas feitas, em terra lusa, a Inquisição espalhou suspeitas, terror e morte por uns longos 285 anos. Praticamente quatro séculos. O documento que extingiu aquele tribunal de má memória no nosso país foi aprovado nas Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, no Palácio das Necessidades, a 31 de Março de 1821.
A apresentação do Decreto motivou diálogos curiosos, uma pequena parte dos quais aqui reproduzimos, assim como o próprio Decreto. Tanto o texto da discussão nas Cortes como a redacção do Decreto são transcritos com a grafia da época, servindo assim para nos conduzir pelos caminhos de outras revisões ortográficas.
Eduardo Fidalgo
Foto: Wikimedia Commons


O senhor Freire leo o Decreto para abolição da Inquisição. Discutio-se ácerca do preambulo, e disse:
O senhor Pimentel Maldonado. Não foi por tal motivo que o Congresso decretou unanimemente a abolição da Inquisição. Foi a injustiça abominavel de similhante instituição, que nos obrigou a isto. Bem claramente se discutio, e ponderando-se o assumpto por mui diversos modos, bem que todos concordes na extincção deste Tribunal, não houve hum só Deputado que se lembrasse de tal fundamento. Que vem a dizer multiplicidade de Tribunaes, á vista de tamanhas rasões quaes forão as que se expendêrão neste lugar? A Commissão Ecclesiastica devia cingir, se a ellas. Voto pois, que torne o Decreto a organizar-se, e que se fundamento no verdadeiro motivo da nossa decisão. Foi, o torno a dizer, a injustiça abominavel da instituição, e não a multiplicidade de Tribunaes.
O senhor Fernandes Thomaz. Não se declare antes rasão nenhuma: essa he offensiva ao decoro, e luzes do Seculo e sentimentos desta Assemblea. Seria ridiculo que no Mundo se dissesse, que se tinha extinguido a Inquisição porque não se podia sustentar, extingue-se porque não deve existir n'hum Paiz em que ha homens livres.
O senhor Vaz Velho. Senhor Presidente, creio que, apesar de alguns dos Membros deste Augusto Congresso terem clamado, que ninguem deve mais fallar sobre a materia subjeita, com tudo, como este clamor não he o voto da Assemblea, eu tenho a faculdade de poder expor a minha, opinião. Este Decreto, senhores, de que estamos tratando, sobre a extincção da Inquisição he hum Diploma, que sendo posterior ás Bases da Constituição, elle não póde desviar-se dos principios nellas adoptados. Nós estabelecemos nas Bases da Constituição principios de liberdade que são incompativeis em o dicto Tribunal, logo que cousa mais natural, do que dizer-se no Preambulo do Decreto, que se extingue aquelle Tribunal e Inquisições, por ser contrarias aos principies liberaes adoptados e estabelecidos nas Bases da Constituição? Isto he mais proprio, e menos vago, do que dizer-se, que he contrario ao systema constitucional. Este he o meu voto.
O senhor Borges Carneiro. Votou que no preambulo se dessem estas rasões - Por ser contraria á rasão Natural, á Doutrina do Evangelho, e ao systema Constitucional.
O senhor Maldonado apoyou o senhor Borges Carneiro.
Hum dos senhores Deputados disso que se devia omittir o ser contraria á Doutrina do Evangelho.
O senhor Borges Carneiro Mostrou que com effeito o era, que a Igreja não tinha approvado similhante estabelecimento; que elle da obra do Despotismo dos Papas combinados com os Jesuitas, e com os Aulicos.
O senhor Arcebispo da Bahia. Conciliou estas differentes opiniões, julgando que bastaria dizer-se no preambulo, que se extinguia a inquisição, por não ser compativel com o estado Constitucional.
Proseguio a discussão, e ultimamente ficou approvado o Decreto com declaração de que no preambulo sómente se dissesse -- que a sua Existencia era contraria ao systema Constitucional, e que assim se expedisse.



DIÁRIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.
NUM. 47
SESSÃO DO DIA 31 DE MARÇO DE 1821
(O documento é reproduzido com a grafia da época)
DECRETO.
As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza, Considerando que a existencia do Tribunal da Inquisição he incompativel com os principios adoptados nas Bases da Constituição, Decretão o seguinte:
1.°  O Concelho Geral ao Santo Officio, as Inquisições, os Juisos do Fisco, e todas as suas dependencias, ficão abolidos no Reyno de Portugal. O conhecimento dos Processos pendentes, e que de futuro se formarem sobre causas espirituaes, e meramente ecclesiasticas, he restituido á Juriadicção Episcopal. O de outras quaesquer causas de que conhecião o referido Tribunal, e Inquisições, fica pertencendo aos Ministros Seculares, como o de outros crimes ordinarios, para serem decididos na conformidade das Leys existentes.
2.°  Todos os Regimentos, Leys, e Ordens relativas á existencia do referido Tribunal, e Inquisições, ficão revogadas, e de nenhum effeito.
3.°  Os bens, e rendimentos, que pertencião aos dictos estabelecimentos, de qualquer natureza que sejão, e por qualquer titulo que fossem adquiridos, sejão provisoriamente administrados pelo Thesouro Nacional, assim como os outras rendimentos publicos.
4.º  Todos os Livros, e tudo Manuscriptos, Processos findos e tudo o mais que existir nos Cartorios do mencionado Tribunal, e Inquisções, serão remettidos á Bibliotheca Publica de Lisboa, para serem conservados em cautela na Repartição dos Manuscriptos, e inventariados.
5.°  Por outro Decreto, é depois de tomadas as necessarias informações, serão designados os ordenados que ficarão percebendo os Empregados que servirão no dicto Tribunal, e Inquisições.
A Regencia do Reyno assim o lenha entendido, e faça executar. Paço das Cortes 31 de Março de 1821.Hermano José Braancamp do Sobral, PresidenteAgostinho José Freire, Deputado SecretarioJoão Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.
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