terça-feira, 26 de maio de 2009

José Brito Mendes - Um Justo Português

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José Brito Mendes,.ou Jôsef Britô-Mendess ?


Com a devida autorização da autora, a quem muito agradecemos, publicamos hoje o artigo "José Brito Mendes – Um justo português", de Esther Mucznik*, vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa.A história é, só por si, um pequeno hino àquele amor que age e nunca espera nada em troca. Surpreende o facto de Portugal desconhecer este herói, que o próprio Estado de Israel, através do Museu do Holocausto – Yad Vashem agraciou em 2004, como um "Justo entre as nações". Antes dele, entre nós, apenas Aristides de Sousa Mendes foi reconhecido como um "gentio justo".
Mas existe uma razão para esse desconhecimento: José Brito Mendes, na listagem dos heróis do Holocausto com o Dossier n° 10184, consta como francês... Hilariante, bizarro, ou simplesmente natural???
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José Brito Mendes – Um justo português..Esther Mucznik *
"Espero que um dia, quando nos voltarmos a ver, o meu marido e eu reencontremos a nossa filha e voltemos a estar de novo juntos e felizes." É assim que termina uma carta escrita em 1942 por Fojgel (Fanny) Berkovic a Marie-Louise e José Brito Mendes, a quem ela confiara a guarda da sua filha Cécile, para a proteger das rusgas da polícia francesa às ordens da Gestapo. Fojgel Berkovic não realizou o seu sonho. Apenas voltou a ver a filha, de cinco anos, quando estava já por detrás do arame farpado do campo de Drancy, a caminho de Auschwitz de onde nunca voltou. Mas Cécile sobreviveu. Graças à coragem da família do português Brito Mendes.
José Brito Mendes emigrou para França em 1926, onde casou com uma francesa, Marie-Louise, e de quem teve um filho, Jacques. Viviam em St. Ouen, nos arredores operários de Paris. Mesmo em frente à sua casa vivia um casal de judeus polacos, Aron e Fojgel Berkovic, com a filha Cécile, nascida em 1937. Aron era sapateiro e tinha uma pequena oficina na mesma rua onde moravam. Daí assistia às brincadeiras de Cécile e Jacques, praticamente criados juntos naquele bairro onde se aglomeravam, na época, imigrantes espanhóis e italianos, portugueses e polacos.
Mas em 1942, a 15 de Junho, Aron é deportado e morre em Auschwitz. A sua mulher Fojgel esconde-se algures em Paris, mas antes confia Cécile à guarda da família Brito Mendes, numa tentativa desesperada de a salvar. E com efeito, meses depois, apesar de escondida, Fojgel é presa e levada para o campo de trânsito de Drancy, de onde partiam os transportes para os campos de extermínio. Antes da sua partida, José Brito leva Cécile ver a mãe uma última vez: tem já cinco anos, mas já sabe que não a pode chamar de mãe. Pela sua segurança e pela segurança de José. Tem de esconder que é judia, fingir que é prima de Jacques e que o seu nome é Bellouin – nome de solteira de M. Louise. Mas as crianças aprendem depressa…
A família Brito toma conta de Cécile, como uma filha – apesar dos cartões de racionamento e do perigo sempre iminente de uma rusga policial, porque quem esconde judeus corre o risco de ser deportado. Esta acontece efectivamente em 1943 devido a uma denúncia, mas a Gestapo não encontra Cécile, momentaneamente ausente. Para José Brito é o sinal de alarme: Cécile e Jacques são enviados para a província, onde ficam em casa de familiares do casal.
O tempo passa, a guerra acaba, os pais de Cécile não voltam e o casal Brito prepara-se para adoptar a criança. Mas do campo de concentração de Dachau chega um sobrevivente da família: um tio de Cécile, que obtém a sua guarda e a leva para os Estados Unidos, para bem longe das sombras da Europa… e dos Brito Mendes que nunca se consolarão verdadeiramente da dor da sua perda. Cécile nunca mais viu a família que a salvou. Nos Estados Unidos, mudou de nome, estudou, exerceu advocacia, casou e teve duas filhas. Voltou a França em 1987 à procura dos Brito Mendes, mas não os encontrou. Morreu sem os rever.
Jacques continuou sempre à procura da irmã perdida. Não a encontrou mas, em 2002, graças à Internet e às associações das Crianças Escondidas, descobriu as filhas de Cécile, que, embora ao corrente de que ela nascera em França e que os avós tinham sido mortos em Auschwitz, nada mais sabiam sobre o passado francês da sua mãe. "Ela não falava nunca", explica Cara, filha de Cécile. "Era a época em que ficou órfã e o sofrimento permaneceu muito vivo." Para Jacques, encontrar as filhas de Cécile foi "um vazio que se encheu com o que se tornou Cécile, a sua vida". "O tempo passou, muitos actores desta história estão mortos, mas, se os nossos filhos se conhecerem, a história continua".
Em 2004, devido aos esforços de Cara, a filha americana de Cécile, o Yad Vashem, Autoridade Nacional para a memória dos Mártires e Heróis do Holocausto, de Jerusalém, atribuiu a José e a Marie-Louise Brito Mendes o título de "Justo entre as Nações" – já desde 1967 também atribuído a outro português, Aristides de Sousa Mendes – por, "arriscando a própria vida, terem salvo judeus perseguidos durante o período da Shoah na Europa". O diploma de honra a eles atribuído refere ainda que "o seu nome será homenageado para todo o sempre, e gravado no Muro dos Justos das Nações no memorial Yad Vashem em Jerusalém".
Porquê contar hoje e aqui esta história? Em primeiro lugar, porque é uma história bonita que trata da bondade humana. Numa época em que esta era um acto demasiado solitário, em que grassava o medo ou a indiferença, a denúncia e a colaboração, não é demais lembrar que a bondade também existiu. Os Brito Mendes eram certamente pessoas simples, não foram heróis da Resistência, mas à sua maneira foram dos poucos a praticar o lema do Yad Vashem retirado do Talmude: "Quem salva uma vida salva toda a humanidade."No memorial de Jerusalém estão gravados os nomes de dois portugueses. Mas muitos mais foram sensíveis ao sofrimento de judeus e não judeus que fugiam das garras do nazismo. Segundo Avraham Milgram, historiador do Yad Vashem – a quem devo o conhecimento da história que hoje divulgo entre os leitores portugueses –, em Fevereiro de 1941, a PVDE (Policia de Vigilância e Defesa do Estado) comunicou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que "os consulados de Portugal em Milão, Budapeste, Bucareste e Antuérpia estão a conceder vistos em passaportes de estrangeiros, fora das instruções superiormente recebidas".O que, do ponto de vista de Milgram, mostra que o desrespeito às ordens recebidas era um fenómeno amplamente difundido nos meios consulares. Em geral, as representações consulares portuguesas eram sensíveis ao destino dos judeus. Não encontramos no arquivo histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros documentos que testemunhem preconceitos ou atitudes anti-semitas da parte de cônsules portugueses no exterior, da mesma forma que não havia denominador comum – ideológico ou político – entre os diplomatas portugueses que ajudaram judeus a sair da Europa via Portugal.
"A compaixão pelo sofrimento alheio, no caso dos judeus, era comum ao monárquico Aristides de Sousa Mendes, ao anti-marxista Alfredo Casanova, ao republicano Alberto da Veiga Simões, ao liberal Giuseppe Agenore Magno", escreve A. Milgram. Poder-se-ia acrescentar Sampaio Garrido e Teixeira Branquinho em Budapeste, entre outros dos serviços consulares de Portugal.
A perseguição e a destruição dos judeus produziu atitudes diametralmente opostas: o mal absoluto e a compaixão humana. Hoje, prefiro lembrar a compaixão humana na pessoa de José de Brito Mendes, um "justo" português.

Publicado no Jornal Público, em 10 de Novembro de 2006
* Esther Mucznik é vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, membro-fundador e dirigente da Associação de Estudos Judaicos e do Fórum Abraâmico, e membro da Comissão de Liberdade Religiosa. Colunista do Jornal Público, destaca-se como autora de numerosos artigos e trabalhos sobre temáticas judaicas..

2 comentários:

Unknown disse...

Amanda Brito Mendes.
Cheguei aqui buscando a origem do meu sobrenome.
Adorei!

Danilo ferreira da Silva disse...

Oi Amanda tudo bom. E só você ver as minhas fotos. Que você vai lembrar de min.