terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Sangue NO MEU Sangue



Sangue NO MEU Sangue

Um estudo levado a cabo pelo prestigiado American Journal of Human Genetics e publicado no passado dia 5 de Dezembro pelo Jornal Público, revela dados surpreendentes acerca de memórias esquecidas no sangue que corre nas veias dos portugueses.

O estudo foi feito por uma equipa de cientistas internacionais liderada pelo Dr. Mark Jobling, e incluiu também investigadores do nosso país. Com o título de "O legado genético da diversidade religiosa e da intolerância: Linhagens paternas dos cristãos, judeus e muçulmanos na Península Ibérica", o estudo incidiu sobre uma população de mais de mil homens, habitantes dos territórios de Portugal, Espanha e Ilhas Baleares, e com raízes familiares permanentes nesses mesmos territórios desde os primeiros anos do século XX.
Em detalhe, o estudo concentrou-se na evolução do cromossoma Y, que é passado de pai para filho e na posterior análise de elementos que permitiram concluir que o sangue dos habitantes actuais da Península Ibérica tem uma forte contribuição de outras gentes, identificadas como sefarditas e magrebinos. O que significa isso? Significa pura e simplesmente que o sangue do Portugal de hoje tem uma componente importante de sangue judeu e de sangue árabe do norte de África! A notícia, não sendo uma novidade em si, é-o contudo pelo facto do estudo indiciar que esta contribuição não-Ibérica está muito acima dos valores estimáveis até hoje.
Assim, e no que toca a Portugal, o estudo foi elaborado dividindo-se o território em duas zonas distintas: uma zona Norte e uma Sul, considerando como fronteira e obstáculo natural entre as duas o sistema montanhoso Montejunto-Estrela. A Norte, chegou-se a um valor de 23,6% de sangue sefardita, e 11,8% de magrebino. E a Sul de 36,3% e 16,1%, respectivamente. O que nos leva a uma inesperada média nacional de 30% de sangue judeu e 14% de sangue magrebino. Uma outra conclusão surpreendente é a de que os valores em Portugal são mais elevados que em qualquer região de Espanha, apesar da presença quer de judeus quer de árabes no país vizinho ter sido incomparavelmente maior. Como são possíveis valores de tal grandeza no nosso país? Podemos entender o estudo ora divulgado face aos acontecimentos históricos?

Cristãos-novos e criptojudeus – Pegadas de ADN
Judeus e árabes entraram na Península Ibérica em épocas remotas, mas em tempos diferentes. Primeiro vieram os judeus, crê-se que no limiar da era cristã, e depois os árabes por volta do séc. VIII (o nascimento do Reino de Portugal ainda vinha longe). Mas, se é certo que judeus e árabes não chegaram juntos, estiveram, no entanto, de mãos dadas no final infeliz que o Rei D. Manuel lhes preparou.
Refiro-me a pelo menos três circunstâncias especiais que envolveram e ditaram a sorte destas duas comunidades. Em primeiro lugar, é claro, o Édito de Expulsão dos Judeus, cujo texto já aqui publiquei, e o enquadramento social e político de que esse documento se revestiu, nomeadamente como uma clara cedência perante a corte espanhola, face ao casamento do monarca com a infanta D. Isabel, filha dos Reis Católicos. Não nos esqueçamos que esse Édito de 1496 arruinou a segurança não só dos judeus que habitavam no Reino português, mas também de todos aqueles que, desde 1492, ou seja, 4 anos antes, tinham fugido de Espanha por causa de uma lei de expulsão semelhante, e se tinham refugiado entre nós.
Em segundo lugar, a conversão forçada ao catolicismo assim como os raptos de judeus menores de idade, actos perpretados sempre com o aval do rei, e todos com o intuito de "fixar" no território lusitano o maior número possível de famílias judaicas.
E em terceiro lugar, numa visão mais alargada no tempo, à entrada em cena da Inquisição portuguesa, precisamente 40 anos depois do Édito português. Face às confusões manuelinas no tocante às relações com as gentes da nação (judeus), e que se traduziram em sucessivos avanços e recuos, em permissões e proibições, muitos adoptaram uma atitude de firmeza e preferiram (tentar) sair do país, não acatando o "convite" de conversão. Mas muitíssimos outros ficaram. E os que ficaram, são precisamente os que deixaram pegadas de ADN, de que o estudo de que temos vindo a falar é testemunha.
Destes últimos, alguns tornaram-se cristãos-novos: o medo, o receio pela sua segurança, ou mesmo a indiferença perante os conceitos éticos e religiosos dos seus antepassados, fez com que eles não fossem suficientemente fortes para se obrigarem a um compromisso radical. Substituíram o nome hebraico atribuído no dia da sua circuncisão por um nome cristão, experimentaram a aspersão do baptismo católico, e passaram até a marcar presença nas grandes solenidades religiosas.
Outros, tornaram-se falsos cristãos-novos: Colocaram uma chancela católica na forma como passaram a viver, mas nunca abandonaram o conteúdo herdado dos seus pais, ainda que este fosse praticado às escondidas, muitas vezes com artifícios de simulação brilhantes, e que hoje fazem parte dos nossos gestos quotidianos.
Por último, outros ainda, percebendo que a escolha proposta era pura e simplesmente entre a fogueira e o baptismo, não quiseram nem uma coisa nem outra. Optaram por aceitar a ajuda e protecção natural de serranias, de montes, de vales, de invernos, de chuvas e de ventos, e tornaram-se criptojudeus, de que a comunidade de Belmonte é um exemplo com 500 anos. Rodeando-se de cuidados extremos, passaram a viver como uma comunidade secreta, em que o secretismo vivia de mãos dadas com o isolamento geográfico. Uma sociedade que se auto-ajustou constantemente, a ponto de não ser mais nem católica nem judaica, para se tornar simplesmente no símbolo de homens e mulheres crentes, sobreviventes ao terrorismo religioso em nome de Deus. E é precisamente deste sangue de que o nosso também é feito.
Ainda no artigo do Jornal Público, quando entrevistado, um responsável pela unidade de investigação do Departamento de Genética do Instituto de Saúde Ricardo Jorge, em Lisboa, afirma, (referindo-se às altas percentagens de sangue judeu sefardita e norte-africano encontradas): "É mais do que se esperaria. Mas é em relação aos judeus sefarditas que as proporções são ‘enormes’. Os cristãos-novos são uma realidade. Muita gente não fugiu nem foi expulsa; misturou-se. Nós não temos essa noção, mas eles sobreviveram à intolerância religiosa."
Eduardo Fidalgo

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei muito deste artigo e do video sobre Belmonte, perdoe-me o Rabi mas só não estou de acordo, quando o Rabi diz q t
em Portugal tratam muito bem os Judeus, em Belmonte creio que sim mas no resto de Portugal não Creio.
Abraço amigo.
Nuno