quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A Última Paragem



A páginas tantas...





"Na manhã seguinte chegou o primeiro comboio procedente de Lemberg: 45 vagões com 6700 pessoas, das quais 1450 já tinham morrido pelo caminho. Por detrás das janelas com grades olhavam-nos umas crianças terrivelmente pálidas e assustadas, com lágrimas nos olhos, do mesmo modo que os homens e as mulheres.
O comboio entrou na gare. Duzentos soldados ucranianos abriram as portas e a chicotadas obrigaram os passageiros a descer dos vagões de carga. Um altifalante ia dando instruções. Obrigava os recém-chegados a despirem-se dos pés à cabeça, colocando cuidadosamente no lugar indicado os óculos, os sapatos, depois de atar os atacadores de cada sapato para que facilmente pudesse encontrar-se o pé que correspondia ao outro. Os objectos de valor tinham de ser entregues num barracão. As mulheres e as meninas eram conduzidas com antecedência ao barbeiro que com dois golpes de tesoura lhes cortava o cabelo que introduzia nuns sacos de batatas.

O comboio pôs-se de novo em movimento. À frente ia uma formosa rapariga, nua dos pés à cabeça como todos os que a seguiam, homens, mulheres e crianças, mulheres que mantinham os seus pequenos filhos nos braços. A maior parte daqueles seres conhecia a sorte que os esperava, visto que não havia quase ninguém que se deixasse enganar. Hesitavam uns segundos, mas depois entravam nas câmaras de gás enquanto os soldados das SS continuavam a bater-lhes com os seus chicotes. Uma judia, de uns quarenta anos, amaldiçoou, aos gritos, os carrascos e o capitão Wirth, pessoalmente, bateu-lhe cinco ou seis vezes com o seu chicote na cara. Muitos dos homens e mulheres oravam em voz alta.
As câmaras iam-se enchendo. Quase que já não havia mais ninguém... de acordo com o que lhe tinha ordenado o capitão Wirth. De setecentas a oitocentas pessoas ocupavam um espaço de 25 metros quadrados, 45 metros cúbicos. Fecharam as portas. O meu cronómetro registava tudo. Cinquenta segundos, setenta segundos... o motor não funcionava. As vítimas esperavam nas câmaras de gás. Nada. Ouvímo-las chorar. O capitão Wirth bateu com o chicote no ucraniano que devia ajudar o sargento Hekenholt a ligar o motor. Aos quarenta e nove minutos, o meu cronómetro indicava a hora exacta, começou a funcionar o motor. Passaram outros vinte e cinco minutos. Efectivamente, muitos já tinham morrido. Aos vinte e oito viviam muito poucos. Finalmente, aos trinta e dois minutos todos tinham deixado de existir.
No outro extremo da câmara, os grupos de trabalho, constituídos por judeus, abriram as portas. Os mortos estavam em pé como se fossem colunas de basalto. Não havia lugar suficiente para que fossem caindo nem sequer para se inclinarem de um lado a outro. Até mortos era fácil reconhecer as famílias. Mantinham-se agarradas nas mãos de um modo que depois se tornava difícil separá-los para deixar livre a câmara para o seguinte carregamento. Tiravam os cadáveres, manchados de suor, de urina e de excrementos. Os cadáveres das crianças eram atirados pelo ar. Os chicotes dos ucranianos caíam sobre os judeus. Duas dúzias de dentistas abriam, com uns grandes ganchos, as bocas dos mortos e procuravam dentes de ouro. Outros trabalhadores investigavam os genitais e o ânus à procura de brilhantes e ouro."

Terríveis e incríveis são os depoimentos dos que foram testemunhas de todas estas cenas. Um deles foi a jornalista francesa Claude Vaillan-Couturier, deputada e dama de Legião de Honra. Presa por ter pertencido à resistência francesa foi conduzida a Auschwitz: "Vi grande número de cadáveres no pátio e de quando em quando via uma mão ou uma cabeça que tratava de mexer-se e libertar-se do peso que tinha em cima. No pátio do Bloco 25 vi correr uns ratos tão grandes como gatos, que não só atacavam os cadáveres mas também os moribundos que já não tinham forças suficientes para se defender.
Até para aqueles que tinham sido seleccionados para o trabalho a sua vida era um verdadeiro inferno. Não havia camas, mas só tarimbas de madeira e nas quais nos víamos obrigados a dormir oito ou nove pessoas, sem mantas nem palha. Às três e meia da madrugada despertavam-nos os gritos do chefe do barracão. Espancando-nos, obrigavam-nos a sair para o ar livre. Nem sequer as moribundas ficavam isentas deste tormento. E ali ao ar livre, em pleno Inverno, tínhamos de permanecer em pé até às sete ou oito da manhã...
"No Verão do ano de 1944" – continuou a relatar a testemunha – "os recém-chegados eram recebidos por uma banda militar que interpretava alegres canções antes que os destinassem aos grupos de trabalho ou à câmara de gás. Sob os acordes de ‘A viúva alegre’ eram destinados à morte."

... Durante dias e dias foram desfilando as testemunhas perante o Tribunal de Nuremberga ...

Coordenação de Eduardo Fidalgo # Excerto da obra "O Julgamento de Nuremberga", de Joe J. Heydecker e Johannes Leeb. 1.ª edição, 1962. Editorial Ibis, Lda.

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